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Um recorte sobre as imigrações na União Europeia

15/05/2020

Daniella Motta da Silva

O fenômeno da migração sempre esteve presente na história da humanidade, mesmo a formação populacional dos continentes está em certa medida conectada a ele. Assim, desde o princípio da organização das sociedades ao redor do mundo, a mobilidade humana tem constituído parte importante na vida dos seres humanos. Atualmente, no entanto, a quantidade de imigrantes vem aumentando progressivamente de maneira substancial em um grande número de Estados ao redor do mundo, chegando em 2019 aos 272 milhões, 51 milhões a mais do que em 2010, segundo estimativa das Nações Unidas.

A procura constante pela auto-sobrevivência, a busca por melhores condições de vida, a necessidade de fuga frente a guerras e perseguições religiosas são razões que estimulam os indivíduos a se deslocarem e migrarem pelo mundo, atravessar fronteiras e deixarem sua região originária. Os índices de indivíduos fugindo de guerras, perseguições e conflitos no ano de 2018 chegou a superar os 70 milhões. Sendo o maior índice de deslocados forçados registrado até então pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mesmo se observado os quase setenta anos de existência do Organismo de atuação internacional, que foi criado em 1950. De acordo com o último relatório publicado pela Agência, este número significa um aumento de 2,3 milhões se comparado ao ano de 2017, se aproximando do índice populacional de Estados como a Tailândia e a Turquia. A quantidade se equivaleria, assim, ao dobro do número de deslocados forçados registrado vinte anos antes.

Na União Europeia, todos os anos milhares de migrantes e refugiados tentam chegar às suas fronteiras. Alguns são movidos pela necessidade de escapar da miséria, outros estão fugindo da violência e perseguição. Além disso, majoritariamente após 2006, os pedidos de asilo cresceram devido aos conflitos no Afeganistão, Iraque e depois por conta da Primavera Árabe, especialmente com início da guerra civil na Síria, em 2011. O que se tem observado nos anos mais recentes, no caso da UE, é um incremento de largas proporções no número de refugiados e indivíduos a procura de asilo, somados ao, já amplo, contingente de migrantes econômicos buscando o continente europeu. Apesar de certo declínio de 359.160 imigrantes chegando por mar em 2016, advindos principalmente de países do norte africano, para um número inferior a 167.000 em 2017, e então para 113.145 no ano de 2018. E, mesmo que os fluxos migratórios no Mar mediterrâneo não estejam em igual escala com o que já foi visto antes, quando os desembarques de imigrantes na Europa chegaram às 1.004.356 pessoas em 2015, quase cinco vezes o total do ano anterior de 219.000, elevação endossada sobretudo por sírios fugidos do conflito em seu país. Entretanto, o fluxo permanece, até o mês de agosto de 2019 a Organização Internacional para as Migrações relatou que 39.289 imigrantes e refugiados chegaram à Europa por via marítima.

No bloco europeu, o monopólio sobre as decisões acerca da imigração se manteve sobre o controle da soberania estatal até 1999, ano em que o Tratado de Amsterdã entrou em vigor, passando a prerrogativa de competência legislativa nas questões que incluíssem a imigração para a União Europeia. A partir deste momento, uma série de medidas voltadas a essa temática foram aplicadas. O direito da União Europeia determina, desta forma, normas para os Estados-membros ao que se refere à expedição de vistos de curta duração e à prática de ações de controle e vigilância nas fronteiras. A UE igualmente estruturou normas com vias a evitar a entrada ilegal. Além, da criação da agência da União Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (Frontex), criada em 2004, que tem por objetivo, auxiliar os Estados-membros na direção de suas fronteiras externas à União. Tal agência presta similar auxílio operacional por meio da configuração de operações conjuntas nas fronteiras terrestres, aéreas ou marítimas.

Assim, na esfera da legislação europeia, o mérito da imigração tem se tornado cada vez mais importante. De acordo com o Parlamento Europeu, técnicas e condutas da União, são guiadas em direção a um proposito claro que é encontrar, para um problema de todos, uma solução conjunta. Neste sentido, no cenário atual, a cooperação policial e de controle fronteiriço, procedimentos comuns em questões de asilo e uma obrigação conjunta pelo retorno de imigrantes ilegais ao seu Estado de nascimento são alguns dos pontos que podem exemplificar a importância prioritária que as questões acerca da imigração adquirem à nível comunitário.

Consequentemente, os frequentes fluxos migratórios na União Europeia resultam por estimular o enrijecimento das fronteiras externas do bloco, o que, por sua vez, se direciona na contramão da política comunitária adotada pelos Estados-membros visando a propagação de ações que colaborem para a construção da paz, solidariedade e cooperação transnacional. O acirramento do controle nas fronteiras muito se deve às instabilidades sociais, econômicas e políticas em algumas regiões do planeta. Diante do propósito de fortalecer a segurança interna, a União Europeia tem dificultado a entrada de migrantes de países terceiros no continente.

Os Estados-membros da União Europeia instituíram uma estrutura cada vez mais inacessível para manter os imigrantes ilegais fora de suas fronteiras, sem levar em conta as suas motivações específicas, ou o arriscado trajeto à que se submetem para chegar ao continente. Para a manutenção da segurança dos Estados-membros, sobretudo ao que se referem as fronteiras externas, a União Europeia financiou sistemas complexos de vigilância e controle, empregou uma estrutura de fortalecimento financeiro às fronteiras externas dos Estados-membros, como na Bulgária e na Grécia, apoiando o endurecimento de suas fronteiras, e criou uma agência à nível europeu para coordenação de uma equipe de guardas fronteiriços. Um a um, cada Estado-membro está introduzindo sistemas mais avançados e protetivos para impedir a entrada de imigrantes irregulares. Muitos imigrantes são expulsos de países como a Bulgária, Grécia e Espanha. Além disso, alguns Estados da União utilizam-se de detenções e restrições para reprimirem a imigração.

Assim, cada dia mais, apesar de milhares de imigrantes se submeterem a condições sub-humanas e se agruparem às dezenas em travessias extremamente arriscadas na tentativa desesperada de chegarem ao continente europeu, o acirramento das fronteiras externas torna a entrada uma realização improvável. Ainda que, a motivação da maioria se explique diante da miséria permanente dos Estados da África subsaariana, dos conflitos que se alastraram pela Síria, Líbia e Iêmen, que nos últimos anos destroçaram governos e acirraram perseguições raciais e religiosas em regiões do norte da África e do Oriente Médio. O que se vê por parte dos Estados-membros da União Europeia é uma constante tentativa de manutenção da segurança nacional por meio do fortalecimento das fronteiras externas. Isto posto, o que se pode perceber é que as fronteiras não perdem sua importância com o advento do bloco europeu, dado que, apesar de as fronteiras internas terem perdido seu papel restritivo diante da abertura ocasionada pelo avanço da União Europeia, esta está alicerçada sobre um enrijecimento institucionalizado das fronteiras externas, e consequentemente, por restringir as imigrações e controlar a entrada de irregulares (ou ainda, “indesejáveis”).

Daniella Motta da Silva é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF).