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COVID 19 – Um tema de segurança?

26/05/2020

Caroline Cordeiro

O ano de 2020 está apresentando um grande desafio para a comunidade internacional, devido ao avanço da COVID 19, que em 11 de março de 2020 foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde. A doença se alastrou pelo mundo e cada Estado vem demonstrando diferentes formas de lidar com a pandemia. Refletindo sobre essas ações, seria possível afirmar que a covid19 é um tema de segurança para os Estados?

A reflexão parte de duas análises, a primeira é conjuntural, a segunda é teórica. A conjuntura internacional nos mostra que os Estados se propuseram a enfrentar a COVID 19 de formas diferentes, o que rendeu resultados diferentes. É possível perceber de um lado países como, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Vietnã e Argentina, que rapidamente controlaram o surto do corona em suas regiões, adotando medidas emergenciais e extraordinárias em seus países. De outro lado temos países como Itália, Estados Unidos da América e Brasil, que também adotaram medidas de contenção da COVID 19, porém, tais medidas aparentam estar dentro da política comum, pois a maneira como esses países estão reagindo à escalada dos óbitos em seus territórios sugere que, para os governantes desses países, o enfrentamento à pandemia passa por medidas ordinárias de governo.

Pois bem, todos os países estão tomando medidas, mas o que as diferencia? Por quê a contenção do surto em alguns países é mais eficiente do que em outros? Será que a percepção dos governantes acerca da pandemia pode explicar por que a contenção do contágio em alguns países é mais rápida do que tem sido em outros? As respostas para essas perguntas passam por uma reflexão teórica e para isso, lanço mão da teoria de securitização para pensar essa diferença no desempenho em face da pandemia. Alguns países estão encarando o novo corona vírus como um tema de segurança, ou seja, a COVID 19 foi securitizada em alguns Estados. Para refletir sobre essa possibilidade, apresentarei o conceito de securitização e também as ações de dois Estados frente a pandemia, o Brasil e a Nova Zelândia.

A securitização é um processo, que trata de uma argumentação sobre o futuro. Partindo da ideia de que todo tema de segurança é visto efetivamente como um tema de segurança porque foi argumentando como tal. Existe sempre um interlocutor chamado de agente securitizador. O agente securitizador discursa sobre um tema, alegando que esse tema é uma ameaça à existência do Estado.

A proposta da Escola de Copenhague (onde a teoria da securitização foi formulada) sugere que a securitização é um processo socialmente construído pela interação entre agentes e estrutura. Um tema só se torna uma ameaça à existência de um Estado porque foi defendido em discurso como tal. Mas o discurso não é o único elemento para a securitização do tema, não basta que ele tenha sido enunciado, é necessário também a aceitação por um público alvo. Todo tema passa por um processo, inicia como uma ideia, uma sensação, percorre um caminho para que, ao fim, seja visto como uma ameaça ao Estado. Esse caminho é chamado de processo de securitização.

O processo de securitização é então definido em três etapas cumulativas, de acordo com as quais um determinado tema pode ser “Não politizado”, “politizado” e “securitizado”.

Não politizado: A teoria prescreve que no processo de securitização, o primeiro status do tema é o não politizado. Estar como não politizado significa que já existe um discurso sobre o tema, porém o Estado não é envolvido. Tanto para o Brasil, como para a Nova Zelândia podemos identificar que esse momento foi vivido no início do avanço do vírus, quando ainda estava restrito ao território chinês.

A mídia já produzia discursos sobre o vírus, a Organização Mundial da Saúde também já identificava o vírus como uma ameaça potencial, mas ainda era restrito a um país, deixando os outros Estados fora da discussão do vírus corona como uma ameaça a um Estado.

Politizado: O avanço do tema no processo de securitização para a segunda etapa, leva ao status de “politizado”. Nessa etapa permanece a existência de um discurso, o que muda é que o discurso do agente se ampliou ao ponto de termos o envolvimento do Estado.

Para definir que o tema está em politizado é preciso conferir se: há uma política pública para o tema, se há decisões governamentais, e se há alocação de recursos públicos para o tema. Tanto no Brasil como na Nova Zelândia é possível confirmar essa etapa do processo. Ambos os países organizam políticas públicas para a contenção da doença COVID 19.

No Brasil os governadores e prefeitos lideraram as ações de contenção, porém, para o olhar da teoria de securitização, o foco é a ameaça ao Estado, então as ações do governo federal são o alvo de exame. O governo federal brasileiro tomou algumas medidas, mesmo que tímidas, para a contenção da doença. Foi possível observar duas principais ações, o auxilio emergencial de 600 reais para alguns brasileiros e a ampliação de créditos para micro e pequenos empresários. Essas duas medidas dão uma ideia do que entendemos como uma gestão “ordinária” que mencionamos no início do texto, elas não parecem estar alinhadas com os impactos na saúde pública, uma vez que observam o problema sob o ponto de vista do circuito de produção e consumo.

Na Nova Zelândia, as ações foram lideradas pelo governo federal, diferente do Brasil. Um mês antes do primeiro caso no país foi criado o CENTRO Nacional de Coordenação da Saúde para o gerenciamento de uma possível crise. Quando ocorreu a confirmação do primeiro caso o país já tinha imposto restrições a voos provenientes da China e expandiu para o Irã. Percebe-se com isso que a extensão das medidas está orientada para a saúde pública da população, antes (ou ao invés) de considerar suas circunstâncias econômicas.

O governo federal neozelandês, representado por Jacinta Arden diminuiu em 20% os salários dos ministros e da primeira ministra, desde 25 de março o país fechou suas fronteiras, proibiu aglomerações, fechou escolas e lojas. Os 1.600 moradores de rua foram transferidos para hotéis e motéis, e depois devem ir para abrigos do governo, onde podem ser rastreados, a um custo da 100 milhões de dólares.

Importante notar que nessa segunda etapa do processo de securitização o tema ainda não é visto como uma real ameaça à existência do Estado, mas o discurso inicia o convencimento e o Estado passa a se envolver com o tema, utilizando o aparato estatal disponível para lidar com o tema.

Securitizado: A última etapa possível para o processo de securitização é aquela em que o tema foi “securitizado”. Nesse momento existe a soma dos elementos das etapas anteriores, e além disso:

  • Aceitação do público alvo de que é uma ameaça à existência do Estado
  • Exige uma ação do Estado que é: emergencial, pontual e foge dos procedimentos políticos normais

Importante notar que essa etapa não conta apenas com o discurso, mas também com o chamado ato de fala. O ato de fala é um divisor de águas, muda o status do tema, por exemplo: “Estamos em Guerra”, o status anterior era sem guerra, o status atual é em guerra. Apenas com todos esses elementos é possível afirmar que um determinado tema foi securitizado.

No caso brasileiro, até maio de 2020 não é possível identificar nenhum dos elementos da securitização do tema. Ainda não existiu a aceitação do público alvo, não é possível identificar uma ação do governo central que seja emergencial, pontual e que fuja dos procedimentos políticos normais.

Em contrapartida na Nova Zelandia, quando foram diagnosticados os 200 primeiros casos, o Estado declarou estado de emergência – ação emergencial e ato de fala – aumentou o seu sistema de alerta para o nível 4, o mais alto de uma escala criada especialmente para a pandemia – ação pontual. E decretou o lockdown por um mês- ação pontual que foge do processo político ordinário. Além disso, visando a aceitação do público alvo, o país desenvolveu um sistema de alarmes específico para a pandemia da Covid 19, com 4 níveis. Cada um dos níveis tem medidas específicas de enfrentamento. O último nível foi determinado pelo governo em março, durou 25 dias com o isolamento chamado de lockdown.

Certamente é necessário notar as grandes diferenças entre os dois países, o objetivo desse texto não foi em momento algum comparar as atuações, mas sim, verificar as ações dos governos federais frente a pandemia para identificar a possibilidade de securitização do tema. A proposta foi um exercício de aplicação da teoria de securitização para a atuação de dois países frente a pandemia, com a conclusão de que o Brasil apenas politizou o tema, enquanto a Nova Zelândia o securitizou.

Caroline Cordeiro Viana e Silva é doutora em Ciência Política pela UFPR, coordenadora do curso de Relações Internacionais da UNINTER e Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI) da UFPR.