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A presença chinesa na América Latina: dinâmica das relações e da diplomacia comercial

27/08/2019

Itala Laurente

A presença chinesa na América Latina teve início nos anos 1960, sendo Cuba o primeiro país a estabelecer oficialmente relações diplomáticas com a China, em 28 de setembro de 1960. Isso permitiu que jovens chineses viajassem a Cuba para aprender espanhol, estudar medicina e fazer turismo, por exemplo (RAMIREZ, 2019; XI, 2019).

Ao longo dos anos, a urbanização chinesa levou ao aumento dessa presença na região. Isto é, o crescimento da população chinesa e a demanda por recursos contribuíram para a necessidade de importá-los de outros lugares, como a América Latina – especialmente a América do Sul, que teve crescimento nas exportações e expandiu seu mercado, levando a rivalidades comerciais na região.

Além disso, outra razão para a consolidação da presença chinesa foi a crise global de 2008. Dessa vez, porém, foi a América Latina que percebeu a necessidade de importar produtos chineses, devido ao baixo custo em comparação aos Estados Unidos e à Europa (MEDEIROS; CINTRA, 2015).

Assim, em 2010, a China foi o principal exportador mundial de comércio para os países em desenvolvimento e o segundo maior importador de mineração e petróleo – abaixo apenas dos Estados Unidos. Uma consequência disso foi a internacionalização da China na América Latina por meio das empresas Sinopec, Golden Dragon, Chinalco e Cooper Tuhe Group. Ademais, o país conseguiu se tornar o principal centro industrial do mundo, realizando exportações industriais (bens intermediários e finais) de produtos de baixo custo, o que prejudicou os mercados regionais (MEDEIROS; CINTRA, 2015).

Diante desse cenário, os principais impactos da expansão chinesa na América Latina foram o déficit comercial; a evolução dos termos de troca e da taxa de crescimento das exportações; o aumento da demanda por commodities; e o aumento da exportação de minerais para Brasil, Chile e Peru. Além disso, destacam-se, também, as rivalidades no mercado regional, uma vez que países mais industrializados, como Brasil, México e Argentina, tiveram melhores oportunidades (MEDEIROS; CINTRA, 2015).

No caso da América do Sul, a China promoveu acordos de comércio, investimento e cooperação, como a importação de soja e ferro, do Brasil; de Cobre, do Chile; de petróleo, da Venezuela e do Equador; além de acordos de Livre Comércio com o Peru e o Chile. Já na América Central, o país importou bens intermediários do México e café e frutas da Costa Rica, enquanto o Panamá ofereceu o não reconhecimento do país de Taiwan como governo.

Assim, o crescimento de comércio com a China foi bastante rápido. Como mostra a Figura 1, as exportações da América Latina para a China em extrações aumentaram de 25% (1999 – 2003) para 57% (2009 – 2013). Por outro lado, em relação à agricultura e à manufatura, percebem-se, no mesmo período, decréscimos de 46% para 31% e de 29% para 12%, respectivamente.

Figura 1. Composição de cesta básica de exportações da AL, por mercado.

Fonte: Ray et al. Sanborn (2016).

Dessa forma, salienta-se que, em pouco mais de quinze anos, a China teve uma expansão comercial significativa na América Latina, por meio de importações e exportações. Porém, esse crescimento também contribuiu para mudanças climáticas e sociais na região, como será abordado a seguir.

Mudanças climáticas e sociais na América Latina

Devido à expansão econômica da China e à demanda pelos recursos chineses, observou-se, também, impactos ambientais e sociais na América Latina. A Figura 2 mostra que a intensidade de CO2 (1,9) e o uso de água (3,3) são maiores nas exportações de América Latina para a China do que total das exportações (1,7 e 1,6, respectivamente).

Figura 2. Impacto ambiental de toda a atividade econômica e das exportações da AL.

Fonte: Ray et al. (2016).

Além do impacto ambiental em si, esses dados se mostram ainda mais significativos considerando que a poluição ambiental e a competição pela água podem dar origem a conflitos sociais entre agricultores e fazendeiros contra corporações ou contra o governo. Na Argentina, por exemplo, destaca-se a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e a China Petroleum and Chemical Corporation (Sinopec). Já na Colômbia, com Sinopec e Sinochem, houve acusações sobre pessoas locais que negociam empregos e ganham comissões.

Outros exemplos são os conflitos sociais no Equador, envolvendo a Sinopec junto à China National Petroleum Corporation; e no Peru, no caso da mina de cobre Toromocho, dirigida pela empresa Chinalco. Já na Bolívia, a mineradora Jungie Mining e a Cooperativa Minera Local Alto Canutillos têm um projeto para extrair o estanho encontrado em uma área de biodiversidade. Por sua vez, no México, embora Golden Dragon tenha cumprido a legislação ambiental, observam-se conflitos trabalhistas em relação aos salários e às horas extras (RAY ET AL., 2016).

No caso de Brasil, é possível pontuar o desmatamento amazônico devido ao aumento das áreas de plantio de soja, bem como o aumento das vias de acesso (FEARNSIDE ET AL., 2013). A Figura 3 mostra os financiamentos chineses, atuais e planejados, nos lugares considerados sensíveis à biodiversidade. Alguns casos disso são o projeto ferroviário transcontinental, que planeja operar do Brasil ao norte do Peru; as áreas de petróleo no Equador, localizadas em território indígena; além das hidrovias comerciais no Brasil, das minas e das concessões de petróleo, sendo todas localizadas em áreas de biodiversidade.

Figura 3. Áreas de Alta Biodiversidade, território indígena e inversão chinesa

Fonte: Ray et al. (2016).

O Plano Chinês e a Iniciativa Faixa e Rota

O Plano Chinês estabelece quatro eixos principais: harmonia; inclusão, por meio de acordos bilaterais, cooperação econômica e acordos de livre comércio; equilíbrio múltiplo, isto é, maior participação nos países em desenvolvimento; e o princípio do benefício mútuo e ganho compartilhado (YUAN, 2019). Além disso, no XIII Plano Quinquenal da China, o país estabeleceu a importância de promover a liberalização e a facilitação de comércio e dos investimentos mundiais, opondo-se a práticas comerciais protecionistas, como as implementadas pelos Estados Unidos. Destaca-se, também, que a China considera importante sua participação como um ator chave na Governança Global (YUAN, 2019) – conceito que se refere à ideia de governança sem governo, por meio da construção de um conjunto de atores, instituições e políticas para responder certas questões de interesse coletivo, inter e transfronteiriço.

Com base nesse Plano Chinês, nos últimos anos, a China apresentou uma estratégia política, econômica e tecnológica denominada Iniciativa Faixa e Rota, cujo nome remete à antiga Rota da Seda e à rota marítima do século XXI. O governo chinês planeja investir U$ 1,4 trilhão e tem cinco pilares nessa iniciativa: comunicação política, circulação monetária, relacionamento interpessoal, conectividade vital e fluidez. Embora o objetivo da iniciativa seja conectar a Ásia com a Europa e a África, a China também percebe a América Latina como uma extensão natural da proposta, que incentiva as economias a reunir recursos vantajosos e capacidade de desenvolvimento (LEI, 2019).

Além disso, os países da América Latina consideram importante participar dessa iniciativa a fim de reforçar os laços de cooperação econômica e tecnológica com a China. Por esta razão, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) é abertamente a favor da proposta:

“[…] sentimos que pode ser uma oportunidade para encurtar distâncias com a América Latina e o Caribe (ALC) em muitas frentes, para ampliar a conectividade digital, marítima e aérea entre nossas regiões e, com isso, aumentar o intercâmbio comercial de investimentos, etc. Por outro lado, também vemos com muito bons olhos o feito de que estarem se incorporando ao tema da Faixa e Rota, cada vez mais, critérios de sustentabilidade ambiental de igualdade social, o que está muito alinhado à Agenda 2030.” (ROSALES; ZÁRATE, 2019)

Dessa forma, observa-se que a China está realizando uma estratégia de cooperação econômica e diplomática, que foi reforçada nos últimos anos na América Latina. Em 2018, por exemplo, houve a reunião ministerial da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Fórum China-CELAC), na qual foi apresentada a Iniciativa Faixa e Rota, com a inclusão do Plano de Ação Conjunta Chinês, Estados Latino-Americanos e do Caribe 2019-2021. De forma semelhante, a China também realizou fóruns com autoridades militares e de defesa da Bolívia, da Costa Rica e do Uruguai – IV Fórum Latino-Americano de Defesa da China, em 2018 –, bem como fóruns com empresários – como a XXII Cúpula de Negócios China-América Latina – e com entidades governamentais – como o II Fórum de Cooperação entre Governos Locais, realizado em Wuhan.

Ações chinesas na América Central

Em Cuba, foram assinados novos acordos nas áreas de comércio, energias renováveis, turismo, tecnologia e cooperação para a Iniciativa Faixa e Rota. Atualmente, o país conta com a BioCubaFarma, que produz medicamentos contra o câncer e hepatite, e é responsável pela construção da fábrica de biossensores com a tecnologia da empresa Changsha Sinocare Inc.

Além disso, existem planos para que o Centro de Neurociências na Cuba, junto à Universidade de Ciência e Tecnologia Eletrônica da China, estude o mapeamento cerebral. Outra iniciativa seria formar um centro de inovação e desenvolvimento da Cuba na cidade de Yongzhou, a fim de conseguir o registro sanitário de produtos e a construção de plantas de produtos biofarmacêuticos com altos padrões internacionais, a fim de estendê-los para a América Latina (EMBAJADA DE CUBA EN CHINA, 2019).

Já no Panamá, em 2018, foi concedido um consórcio para o projeto de construção da quarta ponte sobre o Canal de Panamá – por meio das empresas chinesas Communications Construction Company Ltd. e China Harbour Engineering Company Ltd. –, bem como para a cooperação em comércio eletrônico, comércio de serviços, assuntos marítimos, financiamento, agricultura e pecuária, justiça, cultura e educação, e ciência e tecnologia. Ainda, outros países com os quais a China estabeleceu relações diplomáticas foram a República Dominicana e El Salvador, que concordaram em desconsiderar Taiwan como país (SCHICHENG, 2019).

Ademais, em relação ao México, a China considera o país um aliado estratégico, por ter uma localização próxima aos Estados Unidos e ser membro da OCDE, uma ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e um aliado fundamental para os objetivos na Governança Climática Global (YUANTING, 2019). Sobre esta última questão, a relevância se dá devido às emissões de gases e ao maior uso da água, causados pelas exportações da América Latina para China, conforme abordado anteriormente.

Ações chinesas na América do Sul

No Brasil, a China tem o trabalho conjunto para o novo satélite CBERS-4A, previsto para o segundo semestre de 2019, além de distribuir investimentos em 14 setores brasileiros, concentrados principalmente em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Destacam-se, também, investimentos em alumínio com Alumina Brasil-China (ABC) e Aluminum Corporation of China Limited; e a aquisição de terras pelo Pengxin Group China (2000,000 ha) e o Chongqing Grain Group (100,000 ha) (FEARNSIDE; FIGUEIREDO, 2016).

No Chile, a China adquiriu 24% da Sociedad Química y Minera de Chile (SQM), que produz lítio, e inaugurou o Centro Universitário de Tshinghua para a América Latina. Além disso, o Chile manifestou seu apoio à Iniciativa Faixa e Rota (ROSALES; ZÁRATE, 2019).

Já no Equador, tem-se a cooperação com a China nas áreas de agricultura, aviação civil, gestão de riscos e desastres, reconstrução, comércio e investimento, além da publicação de estudos acadêmicos do país na Universidade de Changzhou. Ainda, o país também apoia a Iniciativa Faixa e Rota (ZÁRATE, 2019). Por fim, em relação ao Peru, pontua-se o Tratado de Livre Comércio e a construção de uma rede de alerta de terremotos com tecnologia avançada.

Considerações Finais

A partir desse estudo, pode-se observar que a presença chinesa modificou, de forma significativa, a dinâmica de importações e exportações na América Latina. No entanto, esse fenômeno também afetou as questões climáticas, como a intensidade de CO2 e o uso da água, resultando em conflitos socioambientais na região.

Além disso, destaca-se a estratégia econômica, política e social, de influência global, da China, que se dá por meio do Plano Chinês, do fortalecimento da iniciativa Faixa e Rota, de acordos comerciais e diplomáticos, do investimento em projetos regionais e do apoio tecnológico. Nesse sentido, em 2018, o país intensificou suas estratégias diplomáticas, econômicas e comerciais na América Latina e no Caribe. Ademais, destaca-se o reconhecimento dos países latino-americanos de que a Iniciativa Faixa e Rota traria melhorias como interconectividade, melhorias no ambiente de comunicação, uso de tecnologia da computação, comunicação em rede, internet das coisas e inteligência artificial, acelerando, também, o desenvolvimento da educação digital na região.

Referências Bibliográficas

EMBAJADA DE CUBA EN CHINA. Cooperación en biotecnología y farmacéutica. China Hoy, [s. l.], v. LX, n. 1, 2019, p. 20–21.

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RONGHUAI, Huang; DEJIAN, Liu. Preparados ante la nueva revolución tecnológica. China Hoy, [s. l.], v. LX, n. 2, 2019, p.40–41.

ROSALES, Abel; ZÁRATE, Michael. CEPAL: “En América Latina hay un gran interés por la Franja y la Ruta”. China Hoy, [s. l.], v. LX, n. 1, 2019, p.44–46.

SHICHENG, Xu. Diez sucesos entre China y América Latina en 2018. China Hoy, [s. l.], v. LX, n. 1, 2019, p. 35–37.

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ZÁRATE, Miguel. China ha mostrado al mundo sus éxitos en estos 40 años. China Hoy, [s. l.], v. LX, n. 1, 2019, p. 32–34.

Itala Laurente é graduada em Ciência Política pela Universidade Nacional Maior de São Marcos, Peru. Ela é mestre em Gestão Social pela Pontifícia Universidade Católica do Peru e estudante de Pós-Graduação em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.