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Resenha: Organized Violence. Capitalist Warfare in Latin America
26/05/2019
Larissa Santos
GRANOVSKY-LARSEN, S. and PALEY, D. Organized Violence: Capitalist Warfare in Latin America. Regina: University of Regina Press, 2019, 294 pp.
As manchetes sangrentas que contam a história contemporânea de violência cotidiana na América Latina esconde nexos político-econômicos fundamentais para compreender a gênese deste fenômeno no continente. A definição clássica de violência organizada¹ – organização de pessoas em grupos armados estatais, não-estatais ou em conflitos violentos unilaterais – é desafiada por Organized Violence: Capitalist Warfare in Latin America, no sentido de politizar este debate. Ao associar as transformações econômicas introduzidas pelo neoliberalismo à violência, o conceito de violência organizada é desenvolvido como um processo inescapável ao modelo de desenvolvimento dominante entre os países latino-americanos estudados. Daí deriva o argumento de que a violência nas Américas hoje não seja um resultado direto das atividades ilegais e principalmente ligadas ao narcotráfico, mas que sirva a interesses corporativos conectados ao extrativismo, finanças, produção e viabilização destas através do controle social.
Essa contribuição teórica ao debate sobre violência na América Latina repousa sobre uma diversa coletânea de doze estudos de caso, que apesar de não representarem todas as realidades regionais internas à América Latina, enriquece a proposta de politização da atual “guerra hemisférica por capital” (p. 3). O escopo geográfico dos estudos de caso prioriza Estados historicamente alinhados à política externa estadunidense, onde o extrativismo e o protagonismo de corporações transnacionais é encorajado. A métrica utilizada para definir o nível de “clientelismo” em relação aos EUA inclui quatro critérios principais: presença de bases militares, alianças econômicas, golpes de estado pró-Estados Unidos e “abertura” das economias nacionais ao investimento estrangeiro. A razão desta escolha é apontada em função da propaganda, difundida pelos Estados Unidos, de que nas democracias aliadas (ou clientes) a violência é um fenômeno dissociado da política, aplicada pelo Estado apenas em situações de resposta às atividades criminosas.
Ficam de fora dessas análises países como Argentina e Chile, onde a expansão do capital apresenta-se como mais pacífica – em função da intensa repressão nos anos 1970 e 1980 – bem como países cujos líderes se posicionaram abertamente contrários ao protagonismo estadunidense na região – como Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela. O Brasil é marginalmente mencionado em alguns capítulos – no primeiro, que trata da violência associada a grandes projetos energéticos, e no quarto capítulo, que aborda a expansão da soja paraguaia. A repercussão da “pink tide” como fenômeno que tirou diversos países latino-americanos da tutela estadunidense, sobretudo nas manchetes jornalísticas dos países do norte, por vezes superestima a força do discurso anti-imperialista, que na prática não representou um sinônimo de desarticulação da presença de grandes corporações na região. Apesar dos avanços em termos de redução de desigualdades sociais, a história de criminalização de movimentos sociais que desafiam projetos hegemônicos se manteve como um elemento histórico que une diferentes realidades latino-americanas.
Apesar disso, o livro reúne valiosos exemplos que reforçam que a violência em tempos de globalização neoliberal apresenta resquícios da “velha” violência política de exércitos e guerrilhas, apesar de contar com a emergência de novos atores não-estatais (armados ou não). Cada capítulo busca analisar paralelamente projetos econômicos e seus correspondentes atos violentos de coerção, evidenciando as intersecções entre a componente econômica e política do poder nos diferentes casos estudados. O livro se encontra dividido em duas grande partes: primeiro, seis capítulos sobre diferentes países latino-americanos, com destaque a casos centro-americanos e caribenhos, e uma segunda parte dedicada a estudos de caso mexicanos.
Já no primeiro capítulo, encontramos um panorama sobre mega-projetos energéticos em curso em dez países da região, vetores de conflitos e injustiça nas comunidades afetadas. O enfoque se encontra principalmente em projetos localizados em países centro-americanos, como Nicarágua, Guatemala, Honduras e Panamá. Uma contribuição especial é dada a partir de uma interpretação crítica sobre a expansão das fontes de energias renováveis na América Latina, ressaltando os aspectos repressivos e anti-democráticos que por vezes orientam sua instalação e funcionamento. Nessa mesma linha, o segundo capítulo apresenta três projetos de desenvolvimento amparados por empresas de segurança privada e pelo exército hondurenho, que expressam o complexo jogo de forças existente entre o capital transnacional, oligarquias locais, redes de crime organizado e o exército em Honduras. Além de apontar causas não-tradicionais para a violência que assola o país, como a omissão do Estado, o capítulo traz insights valiosos sobre como responder a esta violência desde uma reestruturação das instâncias de poder e de um enfrentamento da impunidade com a qual o capital estrangeiro é tratado neste país.
O terceiro capítulo se detém no caso do Projeto Escobal, desenvolvido desde 2010 pela mineradora canadense Tahoe Resources na cidade de San Rafael Las Flores, na Guatemala. A criminalização dos líderes de movimentos de oposição pacífica ao projeto, com apoio institucional do Estado, ilustram os estreitos vínculos entre o discurso de segurança e o de desenvolvimento no país. Outra indústria, mais diretamente alimentada pela criminalização do pobre, é o sistema prisional, tratado no capítulo 12 como uma forma de acumulação fundamental na atual fase do capitalismo, por meio do que os autores denominam “despossessão por encarceramento”.
Os limites tênues e porosos entre o legal e o ilegal são abordados em diversos capítulos do livro, sinalizando uma realidade onipresente na região. No capítulo 7, por exemplo, onde é abordada a relação entre criminosos, o Estado e grandes corporações no estado mexicano de Tamaulipas, no norte do México, bem como no capítulo 11, sobre a atuação de organizações traficantes em Veracruz, ambos estados ricos em recursos minerais, as divergências entre os diferentes discursos oficiais se evidencia. Além disso, o capítulo 10 estuda o fluxo de comércio ilícito que ocorre por meio do porto Lázaro Cárdenas, que ocupa uma posição central no comércio global em termos logísticos.
Outro aporte fundamental de Organized Violence é o valor que este atribui às resistências e respostas populares à violência aplicada por diferentes atores econômicos e políticos. O capítulo 5, por exemplo, trata das práticas territoriais tradicionais de mulheres Afro-colombianas no sistema de Matronaje existente no Pacífico Colombiano, região que se encontra na mira de mega-projetos mineradores, agro-industriais e turísticos. O trabalho investigativo de jornalistas no estado de Michoacán, México, que trazem à tona a cooperação do Estado com redes de narcotraficantes, é outro exemplo que ressalta a importância das resistências no processo de elucidação das raízes da violência, abordadas no capítulo 8.
Organized violence é uma provocação aos estudos tradicionais sobre violência e criminalidade na América Latina. Ao se deter na economia política desses processos, lança luz sobre atores e redes interconectados por uma contraditória trama internacional de relações de poder, onde os limites entre o legal e o ilegal são tênues e imprecisos. A obra nos convida a questionar o papel dos tradicionais vilões narcotraficantes e messias do desenvolvimento, movimento fundamental para uma compreensão mais satisfatória da violência no continente pelas populações que resistem cotidianamente aos impactos de um projeto econômico impositivo, transnacional e devastador aos territórios onde se instala.
1 Melander, Erik. 2015. Organized Violence in the World 2015: An Assessment by the Uppsala Conflict Data Program. Uppsala, Sweden: Uppsala Conflict Data Program.